27/08/07

«A saudade não é uma palavra...»

«A saudade não é uma palavra, é uma categoria do espírito, e só os portugueses são capazes de a sentir.»
Foi este um tema que me enviaram, e que vai proporcionara matéria deste artigo.
A saudade não é, a meu ver, e desculpar-me-á a autora da frase, uma categoria do espírito. É, sim, um estado de espírito, mas que não respeita apenas aos portugueses. Respeita, também, a outros povos latinos, nomeadamente aos espanhóis (ah! a célebre soledad)...
Digamos, isso sim, que os portugueses têm uma maneira muito própria de darem a entender esse seu estado. E se a expressão for utilizada como plural do nosso homem, então estar-se-á, de facto, perante uma situação especial. Quem é que não terá, ao menos uma vez, sentido saudade do homem português?!...
Tem-se, habitualmente, saudade daquilo que já passou. Não tanto do que realmente se passou, mas daquilo que resolvemos imaginar ter-se passado.
Senão, vejamos alguns exemplos. Temos saudade dos tempos em que éramos meninos, mas então só desejávamos ser grandes; temos saudade de quando os nossos pais eram vivos, mas nessa altura não os sabíamos entender e andávamos às «turras» com eles; temos saudade do tempo em que os nossos filhos eram pequenos, mas nessa época andávamos estafados e preocupados por causa deles; temos saudade, enfim, do noivo, do marido, do namorado de ocasião, mas os dois primeiros acabam, algumas vezes, por nos cansar e dos terceiros a saudade é mirífica, porque os não conhecemos bem... Há, porém, nesta frase que me foi sugerida, um sentido, talvez, mas estrito. Vê-se que quem a escreve experimentou, já, este sentimento. Mas à semelhança do que disse atrás, também a sua autora lhe fortalece a imagem e lhe chama «categoria de espírito».
A «sua categoria de espírito» está muito radicada entre as mulheres latinas e é, terá de desculpar-me, causa de muito do seu atraso.
Quem vive de saudade ou vira poeta, ou não vai longe! Ora num país como o nosso, não aconselho ninguém que viva neste estado de espírito e muito menos que o considere uma categoria do dito. A meu ver, a saudade serve, apenas, para cada um se iludir, mitigar a realidade, e viver virado para o passado. Eu não sou passadista. Já o disse. Prefiro quem olha para a frente e dá o passado como encerrado. É a única forma de sobreviver com saúde. Porque o nosso mundo, sendo constituído de realidades, por vezes bem duras de suportar, é bem pouco compatível com a saudade.
Eu sei que há um tipo de mulheres que gosta de viver da saudade. Que gosta, sobretudo, de fantasiar a saudade. A essas só posso dizer que a vida lhes vai, possivelmente, pregar algumas partidas. De que elas, mais tarde, irão ter saudade, quando, por essa via, ficarem com a sua cabeça branca. Às outras que, como eu, da saudade não entendem mais do que o estado de espírito passageiro. como passageiros são, também, outros nossos sentimentos, eu direi que continuem sem se deixar invadir pela morbidez da saudade.
À leitora que me escreve, não posso, porém, deixar de dizer que se acautele. De facto, não só me sugere que escreva sobre este tema como o postal que me envia é, nem mais nem menos, uma cópia do célebre quadro de Picasso La Espera.
Minha amiga, parece-me muito para uma pessoa só! A saudade é já, por si, peso que baste. A saudade e a espera juntas arrasam qualquer um!
Só fiquei na dúvida se não terá lido demasiado Camilo ou Feliciano de Castilho. Dou-lhe um conselho: leia Camões!

- Helena Sacadura Cabral / Bocados de Nós -