30/04/07

E por hoje já chega. Foi um dia para esquecer.
De muita revolta, de uma grande angustia, e de uma dor imensa cá dentro.
Hoje, já chorámos as duas, aqui, a olharmos uma para a outra.
Hoje, ao almoço, brindámos as duas "à vida miúda!", com as lágrimas nos olhos num bailar constante....
Se por acaso, eu tivesse alguma dúvida do carinho e da amizade que tenho por esta menina, o que senti hoje, após ela ter falado comigo, dissiparia qualquer pequena dúvida que existisse.
Boa noite!
Foto:Wladimir Fernandes Jr.

Agora é escuro e a cada passo meu a escuridão rapidamente digere o meu rasto.
Apenas estas palavras estão iluminadas pela tua memória, trago-as dentro da pele para que a escuridão não as encontre...

- Nelson D'Aires -
E por aqui, hoje, já houve muitas lágrimas.
De raiva, de incompreensão, de incapacidade em aceitar a estupidez e a ignorância, de revolta pela injustiça.
Mas na verdade, não houve surpresas! Já se adivinhava o que ia acontecer...
Afinal, sempre foi assim, aqueles que mais dão, sem limites, são aqueles que são sempre postos de parte!
Para o fim de semana ser sido perfeito só faltou o meu Benfica ganhar. Mas pronto!
No sábado à tarde meti-me no cabeleireiro para dar um corte no cabelo, enquanto esperava peguei numa revista daquelas a que chamam "cor de rosa" e deparei com uma «noticia» que dizia que David Beckham tinha levado a mulher a festejar os seus 33 anos a Paris e tinha gasto nesse dia vinte e dois mil euros em presentes e num jantar que lhe ofereceu.
Nem de propósito lembrei-me de uma crónica de Miguel Esteves Cardoso, que consta do seu último livro que já aqui referi.
Depois de ler aquele texto - uma vez mais - pensei cá para mim que não há presente mais bonito do que aquelas palavras que Miguel Esteves Cardoso dedicou à mulher. Não há como não ver a sinceridade daquelas palavras e do sentimento que as inspirou. E quem as escreve, daquela forma, tem que sentir o que ali colocou, porque há sentimentos que não se fingem. Isso é evidente.
E, na minha opinião, não há presente mais valioso do que uma sincera declaração de amor. Se aquelas palavras me fossem dedicadas, não as trocaria por um brilhante ou diamante!! Mas afinal, as pessoas não são todas iguais, verdade?
Diz assim.....

Parabéns, não!

Faz hoje três anos que casei com a minha mulher e parecem-me três minutos em tudo o que não se cansa ou envelhece e trinta anos em tudo que não se estranha nem desconhece.
E embora seja talvez verdade que todos os casamentos felizes são monótonos, só o são para quem está de fora. Cá dentro é uma tempestade de paixão; de infância; de aventuras; de concluios e de segredos; um arrombo de riso e de proximidade.
A alegria tem uma vergonha que é só dela e é malcriado proclamá-la. ou, pelo menos, cria a impressão de dar azar. Parece existir, no contrato existencial, uma obrigação para com a tristeza que não destoe do mau estado do mundo e do sofrimento humano.
Sobretudo para quem escreve, qualquer interrupção na angústia da praxe; qualquer incumprimento do protocolo do Vale de Lágrimas, é vista como uma transgressão imperdoável; uma falta de solidariedade ou - mais grave de todas as acusações - de sensibilidade.
«Como podes ser feliz numa altura destas?», perguntam em silêncio os rostos irritados que se cruzam com os nossos sorrisos. E apetece mentir; disfarçar; fazer cara de pau; fingir uma discussão.
Mas a felicidade de se estar bem casado; de amar e ser amado 24 horas por dia, não deveria ser vergonha nenhuma. Porque, a bem ver, eu não sou verdadeiramente feliz. E porquê? Porque a minha felicidade não está dentro de mim; não me acompanha; não faz o que eu quero ou o que, mesmo não querendo, lhe digo.
Na verdade, ela é-me absolutamente exterior: a minha felicidade é ela, a minha mulher. O meu amor por ela, sozinho, sem ela, só me traria mágoa e desespero. E dai vem o medo, tão terrível como a maior aflição ontológica, de perdê-la; que me acompanha até - e sobretudo - nos momentos em que a alegria do amor, e de tê-la, mais me sobem.
Esta extrema dependência, que um pequeno azar na estrada ou na massa celular pode elevar à mais insolúvel saudade, não se pode considerar felicidade. Por muitos anos que dure, tem sempre a tontura dos delírios de prazer mais imediatos. E nunca a consciência dessa vertigem é tão aguda como nos momentos que, vistos de fora, parecem mais pacatos: quando estamos os dois confortavelmente sentados um ao lado do outro, sem falarmos sequer; ou a lavar uma alface; ou à espera que mude o semáforo para podermos seguir caminho.
Se a posse nunca se sente - que é como quem diz que nunca basta - e o medo da perda está sempre presente -, como se pode falar em felicidade?
O milagre é que se possa.
Tenho assim para mim que, ao contrário do que se julga, não faltam nem dúvidas nem cuidados nem inquietações a quem, por estrema boa sorte, tem a felicidade que eu agora tenho. O preço que se paga é muito grande - o maior de todos - apesar de se pagar sem pensar nem dar por isso, como se fosse nada.
E a independência é, de facto, nada para quem ama. E a prova é que dela pouco aproveita a pessoa amada, se tem o azar de nos amar também.
Em certa, importantíssima medida é esse mundo de medos que os mais entregues amantes partilham - mais até do que o amor, que varia de modo e de distribuição no tempo e no gesto, conforme os corações, que pouco mudam.
É por isso que posso dizer que tenho tudo, graças à minha mulher, incluindo todos os desassossego e temores, para além da constante alegria, e do grande amor, estando estas coisas ligadas por algo que não dependem nem de mim nem dela. E daí o medo, a gratidão; o êxtase dos dias pequenos e grandes.
Obrigado, Maria João, meu Amor!
E não «Parabéns», como eu, no meu nervosismo de garoto recém-casado, quando passou a meia-noite, te desejei.

- Miguel Esteves Cardoso -

Agora digam-me se há algum presente mais valioso e mais bonito do que a sinceridade e amor que estão nestas palavras...!
Não, não há!!
















Flamingo Resort / Inhambane - Moçambique
Uma semana com Fábio Assunção.

27/04/07

Vou então encerrar a semana de George Clooney
concordam que.... em beleza!!!
Foto: Tiago Reis

Escorregar nas tuas mãos
deslizar pelo teu peito
e mergulhar, ah mergulhar
no abismo do teu corpo
e correr,
correr como o vento...

- Alexandre Monteiro -
Foto: Wladimir Fernandes Jr.

Meu Veneno
Atrás de meus olhos dorme
uma lagoa profunda
e o céu que trago na mente
meu vôo jamais alcança.
Há no meu corpo um incêndio
que queima sem esperança
a própria terra que piso
vira um abismo e me come.
Corre em meu sangue um veveno...
Veneno que tem o teu nome.

- Ferreira Gular -
Foto: desconhecido

Quem disse que o amor não é lindo....?
























Pemba Beach Hotel / Pemba - Moçambique

Uma semana com George Clooney

26/04/07

Há fotografias tão nítidas, tão perfeitas, que temos a sensação de que se estendermos a mão e as tocarmos sentimos o calor daquela pele.
Como esta, que tenho neste momento, aqui na minha frente...!
É tão real, que tem a capacidade de atenuar um pouquinho as saudades!
"Ciúme, a quanto obrigas"

Julgo que o ciúme é um sentimento natural, e acredito pouco na sua ausência. Habitualmente, ele decorre do risco, ou pressentimento, da perda da pessoa amada.
Nem sempre, porém, é assim, e muitas vezes o que está em causa não é esse medo, mas sim o amor-próprio ferido.
Explico-me melhor. Há circunstâncias que podem levar ao ciúme sem que tenham que ver com o ser amado. Exemplo característico deste tipo de comportamento é aquele em que ciúme e inveja estão de tal modo entrelaçados que é difícil saber onde começa um e a outra acaba. Quem poderá distinguir o que vai no íntimo de cada um ao sentir-se preterido, no campo profissional, por alguém que se considera não ter as condições que nós próprios julgamos possuir? Mágoa? Ciúme? Inveja? Eventualmente uma profunda amálgama de tudo isto. Mas, com certeza, uma pitada forte de ciúme também.
Falemos, apenas, do sentimento que advém das mutações que o amor sofre com a passagem do tempo, que é o caso mais frequente.
Quando duas pessoas se amam, não se gostam nem da mesma forma, nem com a mesma intensidade. Feliz ou infelizmente, é importante que tenhamos consciência que, também no amor, a relação não é paritária. Há sempre um que ama mais do que o outro.
De facto, raramente somos amados como precisaríamos ou gostaríamos de ser mas, apenas, como o outro é capaz de nos amar.
São estas duas situações que, aliadas ao medo de perder o ente querido, estão, frequentemente, na base do ciúme.
Com efeito, em muitos casos, o facto de não ser estimado como se necessitaria é entendido como desinteresse, ou, o que é pior, como falta de amor. Primeiro erro, que conduz, muitas vezes, ao ciúme, sem que se tente perceber que cada um tem uma maneira muito própria de amar, que pode não coincidir com a nossa necessidade.
Também a circunstância de um gostar mais que o outro traz consequências, ao nível do ciúme, visto que o que sente ser mais frágil na relação amorosa tende a ambicionar tornar-se mais forte. Segundo erro, que às vezes é fatal, porque a atitude inteligente neste tipo de situação seria vivê-la sendo capaz de compreender as fraquezas do outro, e fazer delas a própria fortaleza.
Pelo menos, enquanto se julgar que o outro vale a penas...
Finalmente, o ciúme provocado pelo medo de perder a pessoa a quem se está ligado. Aqui torna-se vital fazer uma distinção: o que está em causa é o medo de perder o amor de alguém ou é, antes, o amor-próprio ferido, porque outrem pode vir a ocupar o lugar que é o nosso?
Se é o primeiro caso, saibamos lutar não por «aquilo que nos pertence», como muitas vezes se diz, mas por algo que consideramos essencial para a nossa existência. E aqui «lutar» significa «não fazer a guerra». Lutar, neste caso, é tentar perceber onde esteve a nossa insuficiência, a nossa incapacidade, e saber superá-la. Porque, se lutar não significar reconquistar, mas antes guerrear, então, a batalha estará perdida, e seremos nós a entregar ao adversário/a,
numa bandeja dourada, o nosso amor, o que ele/a, habitualmente, não deixará de aproveitar...
Resta o amor-próprio ferido. Este é, a meu ver, insignificante, face à enorme vantagem de se perder alguém que, realmente, já não nos quer!

- Helena Sacadura Cabral in «Bocados de Nós» -
Constatações....

Pode fazer-se sexo com quem se faz amor.
Não se pode fazer amor, com quem se faz sexo...
Foto: J.P.Sousa

PERFIL

Gosto de ti como duma fotografia
Amo as paisagens porque são
o foco onde o teu corpo se ilumina.
És a manhã deitada de perfil.
Perspectiva onde a minha vida
ganha forma e se fixa, de repente.

- Albano Martins -
De terça para quarta sai daqui já bastante tarde, eram quase dez da noite. Entretanto desafiaram-me para jantar. Embora não estivesse com grande disposição acabei por aceitar.
Deitei-me já tinha amanhecido.
Ontem não saí de casa e passei a tarde na companhia de Miguel Esteves Cardoso, ou seja - nada de confusões - a ler o seu último livro "A Minha Andorinha" de que já aqui falei.
E acreditem que passei uma tarde muito divertida e até dei umas boas gargalhadas. A certa altura dei comigo a pensar, no facto de me sentir confortavelmente acompanhada por um simples livro, escrito por alguém que nem sequer conheço pessoalmente. Os outros - que não conhecemos, que nada significam para nós - acabam por nos fazer, e ser a nossa companhia, numa tarde que foi de sol.
Ao final da tarde chegaram as minhas crianças, jantámos juntos, e assim se passou um feriado do 25 de Abril.
Bom dia.
Uma semana com George Clooney

24/04/07

Foto: desconhecido

METADE

"...E que a força do medo, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe, seja linda, ainda que triste.
Que o homem que amo seja para sempre amado mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a uma mulher munida de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesma, se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a vida nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é plateia, e a outra metade canção.

E que a minha loucura seja perdoada...
Porque metade de mim é amor. E a outra metade... também!"

- Oswaldo Montenegro -
Foto: Rui Alves

... Não é fácil, eu sei. Hás-de ter sentido a falta de qualquer coisa, da humanidade de um som que te fizesse descer à terra, do calor que a minha voz não tinha. Eu sei. Ninguém vive só de amor e muito menos de um amor quase ausente.
Eu sei, eu sei que é estranho este meu modo de ser e de te dizer - em silêncio - que te amo.
- Manuel Jorge Marmelo -
A vida nem sempre é como desejamos. Normalmente não é como desejamos. Talvez porque queremos sempre mais. O ser humano é mesmo assim. Por um lado é óptimo, querermos evoluir, e ambicionar - com peso e medida - ter melhor na nossa vida.
Não sou muito exigente, nem ambiciono impossíveis. Até porque em tempos tive bastante, e hoje o que tenho dá para viver, embora com alguns sacrifícios e a fazer muitas contas à vida, como a maior parte das pessoas, tenho a certeza. Passei pela experiência de ter muito e não ter nada! E acreditem que é uma grande lição de vida, termos a certeza de que nada é certo e eterno na nossa vida.
Há algum tempo tive conhecimento de que uma moça de apenas vinte e seis anos, se atirou da Ponte Vasco da Gama. Tentou suicidar-se, mas foi salva por um pescador que, por acaso, andava ali perto. Lembro de ter pensado que nada na vida merece que se dê um passo daqueles. Morrer porquê? Para essas pessoas, a morte não é a pior das coisas, é a última! Dei comigo a pensar que de alguma forma é uma cobardia procurarmos resolver os problemas dessa forma, que não tem retorno.
Mas quem sou eu para avaliar uma atitude dessas?
Ontem, no regresso a casa, e porque ultimamente na minha vida tudo parece dar errado, é uma luta constante sem folgas para respirar fundo, os acontecimentos menos bons sucedem-se uns atrás dos outros, nada dá certo ou como imaginava que seria, e há dias de um cansaço e um desanimo sem limites. De querer desistir de tudo! Dei comigo a lembrar aquele episódio, enquanto ia na dita ponte.
E por breves instantes, eu compreendi aquela jovem, e senti que na verdade por vezes há momentos na vida que nos podem levar a desistir e a fazer o que todos chamamos de "uma loucura"!!!
E não será egoismo da nossa parte, não pensar que, afinal há quem tenha problemas bem mais graves do que os nossos?
Bom feriado!
Durante dois dias, retirei o acesso a este meu cantinho.
Por motivos de que não vou falar aqui, nem agora.
Mas resolvi voltar, porque sim, porque o que aqui escrevo é sincero, verdadeiro e muito grande. Para mim é! Há já alguns anos que aqui falo de sentimentos. Dos meus! E porque não tenho vergonha deles, vou continuar.
Só enquanto eles existirem!
Se por acaso as palavras que escrevo incomodarem alguém, só tem que deixar de passar por aqui e de as ler.
Já aqui disse que, se há um sentimento que prezo muito é a amizade. Penso que, na verdade, é o sentimento mais verdadeiro e duradouro que existe.
Tenho amigos há mais de trinta anos. Amigos que, todas ou quase todas as semanas me ligam ou para quem eu ligo, nem que seja para meia dúzia de palavras rápidas. Por vezes, só mesmo um "olá, está tudo bem contigo? Depois falamos, agora estou com pressa!". Tenho um amigo que, uma vez por outra, vem do Porto a Lisboa para jantar comigo, para passarmos algumas poucas horas de conversa e "matar" as saudades. Sei o que é amizade, e qual o seu valor.
E ontem, dou comigo a pensar, como ainda - a esta altura - há algumas atitudes, ou alguns gestos, que muito significam para mim e me fazem bem.
Também é verdade que tenho - com todas as minhas forças - feito os possíveis e impossíveis para deixar de dar tanta importância a isso.
Ainda não sou indiferente a esses pequenos gestos, que me enchem a alma, e me fazem sentir - ainda - um pouco importante para algumas pessoas.
Ainda não sou indiferente a grandes ausências, a longos silêncios, a algum esquecimento.
Mas vou conseguir! Tenho que conseguir.
A semana de George Clooney

23/04/07

Sonhar é o melhor de tudo
e muito melhor do que nada...!!!

- Luís Fernando Veríssimo -
O Som do Silêncio

É o som da distância. O som que se ouve no cimo de uma montanha, o som dos quilómetros entre dois cumes num dia limpo e calmo.
É o som que cheira a terra. O som que se ouve nos dias cinzentos depois de passada a chuva, quando os cães ainda estão molhados demais para ladrar.
É o som da sesta. É o som que se ouve às quatro da tarde alentejanas quando as paredes grossas isolam do mundo as crianças que dormindo mantêm uma silenciosa e abençoada mudez.
É o som do preto. O som que se ouve no mar alto quando a água é azeite e a ausência da lua torna indistinguível o preto do mar do preto do céu.
É o som da solidão. O som que se ouve enquanto pensamos nas imagens de todas as vidas de todas as pessoas de que não fazemos parte.
É o som da pausa. Da pausa de semi-breve, da suspensão no meio do fraseado de uma sonata, do tempo entre dois andamentos de um concerto quando, desconfortáveis na poltrona, não nos mexemos para não quebrarmos a magia.
É o som do branco. O som que se ouve dentro do nevoeiro que cobre uma montanha de neve, onde o branco a toda a volta nos apaga todas as referências, coisa de manicómio e de malucos incapazes de distinguir o cima do baixo, a direita da esquerda.
É o som da exiguidade. O som do armário escuro onde escondidas as crianças brincam às mesmas.
É o som do embaraço. O som que se ouve num elevador de um prédio de escritórios subindo cheio, e de estranhos, às nove da manhã.
É o som do suspense. O som que antecede a facada, o trabalhar da motosserra, o grito ao dobrar da esquina, o piano a despedaçar-se no passeio, o erguer do zombie. O som entre o engatilhar da arma encostada à cabeça e o PUM.
É o som da culpa. O som que se ouve quando não há volta a dar nem desculpa a pedir, é o som que acompanha o cair das orelhas e o rabo entre as pernas.
O único silêncio que conheço é o que se ouve. É o som que se ouve entre um som e outro.

- Pedro Bidarra in "Um Minuto de Silêncio" -
















Indigo Bay Island Resort
Ilha de Bazaruto / Moçambique