17/10/03

ESCREVI-TE...
Fecho os olhos, e revejo os lugares onde tu estavas.
Fecho os olhos, penso em ti, e é como se me paralisasse uma pergunta, fluindo docemente dos teus lábios.
Fecho os olhos, e já não sou eu, mas tu, quem sobrevem.
Fecho os olhos sobre ti.
Há então um voar de aves altivas, daquelas que anunciam estações e marcam a contagem do tempo, a lembrar que não estás aqui.
Como se fosse fácil.
Como se fosse fácil, Setembro, Outubro, meses pedalados com palavras diligentes, perdidas e omissas.
Como se fosse fácil engolir a ausência e andar mais depressa, enganar a própria incapacidade de enganar, como se no verão fosse mais fácil existir.
Fui longe, fui perto, e não basta agora dizer que tu estavas onde eu estava.
Na paisagem suave do fim de tarde sobre o mar. Na travessia do rio. Na estrada extenuante. Na cama onde me deitei!
Falei contigo sobre o desespero da tua ausência. E podia dar-te a mão e começar, sem medo, o caminho de regresso.
Foste a flor amarela que meti no bolso.
Mas foste também, o silêncio da noite que me apanhou de surpresa, ao abrir uma janela. É Outubro.
Os frutos maduros de ser quase inverno, de ser Outubro, aperto-os como se as tuas mãos tivessem viajado com eles até aqui.
Fecho os olhos e penso em ti.
Não basta confundir-te com a minha maneira de estar só, pois voaste comigo a intensidade que pus em cada gesto. Aí paraste, porque a manhã já vinha branca, a desenganar a tortuosa aventura de ser só.
Foste comigo onde eu não julgava poder-se ir.
Foste comigo sem perguntas, porque eu não sabia responder ao teu sorriso leve.
Troquei as voltas ao espaço e estiveste, de facto, onde eu estava!
Então, subtraindo o que tu és, porque a vontade não chega para fazer coincidir a realidade com a presença maligna da distância, voltei ao lugar de origem, fechei os olhos...e escrevi-te!