29/06/04

(En)laço
Por dentro dos dias assim, respirados através de ti, filtrados pelo teu corpo, olhando-te profunda e avassaladoramente - mesmo quando não o sabes - há metal fundente. O mesmo metal fundente que existe entre nós - que me queima a pele. O fogo que me mutila a vontade de te ter e me desfaz em percentagens de fêmea e princesa - percentagens alternadas, ora uma, ora outra, ora ambas.
Nesse desejo de espelhos reflexos de nós, nesse magma incandescente, derreto eu. E escorro por ti, sem nome e sem tempo, sem corpo e sem carne - dada a ti, totalmente dada a ti. Sem me abandonar - ou abandonando-me, sim, mas sem medo.
E de repente ser nada, deixar de ser para ser contigo - e isto ser igualmente brutal e belo.
E dessa queda, dessa fuga, deste corpo dado a ti, faço-me tua - pertenço-te. E nada me toca, nada me prende, nada me assusta - senão esmagar-te contra mim e não conseguires respirar. Senão asfixiar-te ou rasgar-te as asas. E, às vezes, o lume que me acende e dilacera faz-me pensar e temer não ser ar para ti. Sinto-me pequena e medíocre - outra putéfia, igual às femeazinhas idiotas e aparvalhadas que atam os seus machos e os castram - e os perdem.
E desculpa se às vezes pareço isso. Não o quero ser, não há essa intenção por detrás do que digo ou faço.
Não cabe em mim o que sinto - transborda. E nem sempre corre bem. Podia gostar-te menos, gostar-te da maneira controlada e racional com que sempre gostei das pessoas que fiz minhas.
Mas já não consigo controlar - já não consigo mutilar o que sinto por ti e circunscrevê-lo num espaço restrito.
Porque não se amarra um cavalo selvagem, não se apazigua uma tempestade e não se extingue o fogo voraz com um sopro manso de fêmea.
Eu posso tentar.
Por ti, posso. Se quiseres.

(ceresia)