04/12/06

Vamos lá chamar as "coisas" pelos nomes. Não faz hoje 26 anos que Sá Carneiro morreu. Dito assim até parece que foi de morte natural.
Nada disso! O correcto é dizer que, faz hoje 26 anos que Sá Carneiro foi assassinado!!!
Desde o primeiro momento que todos sabemos que foi assim.
Sobre Sá Carneiro, no último número da revista Atlântico, Paulo Pinto Mascarenhas diz o seguinte:
E SE...?
O dia 4 de Dezembro de 1980, passam agora 26 anos, alterou o curso da história política contemporânea portuguesa. A morte de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa - artífices e protagonistas principais da Aliança Democrática - foi também um duro golpe para todos os que acreditavam e votaram em 1979 no "projecto de liberdade" corporizado sobretudo na figura do então líder do PSD. O mesmo projecto que, já em 1971, Sá Carneiro defendia publicamente em pleno regime autoritário marcelista e que pretendia conciliar "a liberdade com a ordem, o progresso com a segurança, o desenvolvimento com a justiça, sem quebra de ordem pública".
São palavras que continuam actuais em 2006, quando assistimos ao refúgio das convicções políticas e ideológicas perante o pragmatismo dos tecnocratas. Tal como escreveu o historiador Rui Ramos, Francisco Sá Carneiro assumia-se claramente como um político, recusando a carga negativa que, pelas mais diversas razões e pretextos, se atribui à função. Dizia o próprio Sá Carneiro, em 1969, no seu primeiro discurso: "Por muito que se tenha sido educado no descrédito da política, é-se forçado a reconhecer que, quando se começa a tomar em profundidade consciência da nossa própria existência pessoal e das realidades que nos cercam, somos conduzidos a ela."
Nesse sentido, mas também na defesa da liberdade política como prioridade das prioridades - em 1969 como dez anos mais tarde - não será excessivo considerar Francisco Sá Carneiro como o primeiro e o maior dos liberais do séc. XX. Tanto na Ala Liberal, antes do 25 de Abril, como no PPD pós-revolução, defendeu o primado das liberdades, política e económica, nunca aceitando a ideia de desenvolvimento sem democracia. Outro dos seus objectivos para Portugal era o hoje consensual modelo de democracia de tipo ocidental, livre de tutelas militares e assente na vontade do povo livremente expressa nas urnas.
Como explicava antes da revolução, era "liberal" porque acreditava que "jamais os direitos da pessoa humana podem ser sujeitos aos da sociedade". Esta mesma concepção dos direitos individuais haveria de o confrontar tanto com os salazaristas como com a esquerda anti-salazarista, fidelíssima ao marxismo. Mas também, no pós-25 de Abril, com todos aqueles que pretenderam instaurar um regime socialista e uma "sociedade sem classes", que incluía a nacionalização dos principais meios de produção. Defensor da autoridade do Estado, afirmando que a democracia estava em perigo perante a tutela do Conselho da Revolução e o ataque dos esquerdismos marxistas, Sá Carneiro não seria ainda nos tempos que correm uma figura facilmente catalogável, numa altura em que muitos preferem os números às ideias, reduzindo a política a pouco mais que um mero exercício de contabilidade pública.
Seria interessante saber o que pensaria Sá Carneiro sobre o actual estado de coisa em Portugal. Sobre a política de retórica tecnocrática e de sound bytes, dos pactos e dos consensos "alargados". Sem mitificações, mas apenas recordando a história de uma vida, presume-se que não teria uma vez mais medo de perder e estaria preparado para combater em "nome da esperança e da vontade de mudar", da democracia e de um "projecto de liberdade".
Fazem-nos falta políticos como ele.

- Paulo Pinto Mascarenhas / Revista Altlântico -