Há já algum tempo que estou para falar aqui do "assunto" do momento e, na minha opinião, muito delicado! Sobre a despenalização do aborto no nosso País. Tenho lido tudo o que me é possível sobre este assunto e na verdade, a esta altura, ainda não sei se no dia 11 de Fevereiro irei votar no "sim" ou no "não"! Não sei mesmo! Falei há algum tempo com uns amigos sobre o tema, e não chegamos a conclusão nenhuma.
Vou aqui deixar dois artigos, dos muitos que li, um de Pedro Rolo Duarte e outro de Vasco Pulido Valente, e depois de os ler o meu impasse mantem-se.
Oito anos depois...
Se eu acreditasse que o Estado algum dia iria assumir o seu papel social de apoio às mulheres e famílias sem recursos; se eu acreditasse que as associações de "defesa da vida" (que aparecem quando se anunciam debates e desaparecem no dia a seguir aos referendos) iam cumprir o que prometem sobre solidariedade e promoção de uma "cultura de responsabilidade e de respeito pelo valor da vida"; se eu acreditasse que, fora do período de propaganda eleitoral, alguém neste país trabalhasse "na criação de condições para que todas as mulheres que engravidam possam ter verdadeiras alternativas de vida e não façam escolhas de morte", como leio num desses manifestos; se eu acreditasse que as 25 a 30 mil interrupções de gravidez ilegais que se fazem anualmente em Portugal deixassem de existir por via da educação sexual, do presumível apoio do estado, e da conversa moralista das tais associações criadas por encomenda; se eu acreditasse, enfim, na bondade intrínseca das instituições, e no cumprimento dos deveres mínimos do Estado; se eu...
Ora... Eu assisti ao debate para o anterior referendo, e apesar do resultado, ou talvez por causa dele, acreditei vagamente que todos os que nele intervieram iriam depois assumir as suas responsabilidades e trabalhar no terreno para uma enorme mudança de mentalidades, de atitudes, e a uma efectiva promoção da tal "cultura de responsabilidade" que produzisse efeitos e resultados numa efectiva diminuição do número de abortos clandestinos...
... Nesse caso, ponderava o meu voto no dia 11 de Fevereiro. Como infelizmente o tempo - nomeadamente o que mediou entre o ultimo referendo e o dia de hoje - me provou que no dia a seguir à consulta popular toda a gente recolhe a bandeira e tudo volta ao mesmo (ou seja, os que podem, garantem o aborto clandestino nas melhores condições, dentro ou fora do país - e os outros engrossam a lista de clientes das parteiras de vão-de-escada e ainda se sujeitam à humilhação de uma passagem pelo tribunal), e como passados oito anos nada mudou, nem sequer os argumentos, essa é para mim a melhor prova de que o voto no "não" deixa tudo na mesma - porque deixou tudo como estava. Ou seja, mal. É o que o tempo se encarrega de nos demonstrar desde que, em 1998, se discutiu, debateu, e no fim votou. Assim sendo, não adianta debater mais o assunto. Os factos falam por si. Estamos no reino da hipocrisia. Só nos resta votar. No meu caso, "sim".
- Pedro Rolo Duarte in DN -
O referendo
Não gosto do referendo e sempre o achei perigoso e nocivo. Primeiro, porque diminui e desvalorioza a representação política. Segundo, porque inevitavelmente tende a deturpar o debate e a vontade do eleitorado. Nenhum problema complicado tem uma resposta de "sim" ou "não". E, como não tem, os dois lados de qualquer campanha, como, no caso, a campanha sobre o aborto, acabam por cair na "simplificação terrível" da demagogia. Basta abrir os jornais. José Pinto Ribeiro, por exemplo, disse isto: "Um ovo não tem os mesmos direitos de um frango." Fora o mau gosto, quem falou em frangos? Mas Pinto Ribeiro não foi o único. César das Neves, no seu estilo hiperbólico, avisou que "a vitória do sim" torna o aborto tão "normal" como comprar um "telemóvel". Uma ideia que não se distingue pela sua especial humanidade. Gentil Martins quer punir as mulheres que reincidirem em abortar. E até houve um bispo que resolveu comparar o aborto com o enforcamento de Saddam Hussein. Deus lhe perdoe.
Significativamente, os grandes militantes do "sim" e do "não" vêm quase todos da classe média. Sucede que, para a classe média, o aborto não é um problema. Conhecendo bem os meios de contracepção e a "pílula do dia seguinte", quase nenhuma mulher (ou casal) da classe média é apanhada (ou apanhado) na necessidade de escolher entre um filho e um aborto. E, se as coisas por negligência ou acidente chegarem ao pior, não recorrem com certeza ao "vão de escada". Não admira, por isso, que vejam no aborto primariamente uma questão moral, de justiça social ou dos direitos da mulher e não hesitem em entrar numa polémica de "intelectuais", abstracta e violenta e, ainda por cima, incompreensível para quem, de facto, aborta.
Mas, pior do que o resto, é que, a pretexto de permitir uma decisão directa do "povo", o referendo criou pouco a pouco um confronto azedo entre a Igreja e a esquerda. Ou, se quiserem, entre a esquerda (com o PS à frente) e os católicos. Não se percebe como, apesar da prudência do patriarca, a Igreja se deixou envolver numa causa puramente política, que não contribui para a reafirmação da sua doutrina (e pode, pelo contrário, mostrar o desinteresse do país por ela) e que, ganhe o "sim" ou ganhe o "não", nada, ou quase nada, mudará na prática. Como não se percebe que o PS, excepto por exorcismo, se meta numa querela que só serve para promover o Bloco. A Igreja julga que pode fechar a porta ao aborto e os políticos que se livraram de um grande sarilho.
Erro deles. Com o "sim" ou o "não", o referendo é o princípio de uma longa guerra, não é o fim.
- Vasco Pulido Valente, in Público -