31/10/07

Foto: JCharles


A ESPIRAL


Vi-te partir numa noite escura de Setembro.
Levavas as mãos escondidas nos bolsos,
os olhos vagos e crispantes.
Vi-te partir.
Soube instantaneamente que a rota de colisão
estava permanentemente traçada
nos nossos destinos.
Escondi o rosto por trás da máscara negra
da imponente solidão, escondi
todos os poemas que te escrevi,
rasguei todas as fotografias
em que nunca constaste.
Acordei numa manhã cinza de Setembro
e tu ainda não tinhas chegado.
Virei o corpo cansado e espreitei o rosto
do menino que és tu deitado a meu lado.
Abraçou-me.
Sei que enquanto ele aqui estiver,
estarás enlouquecedoramente perto.
Quis oferecer-lhe as minhas lágrimas liláses,
deitar-me no seu colo,
ensinar-lhe os erros amargos da minha vida,
quis cantar-lhe poemas sem voz,
quis esquecer-me de mim,
quis romper o meu coração.
Eu estou aqui. Ainda te amo,
disse ele baixinho encostado ao meu rosto.
Ainda me amo...
A noite veio e trouxe-te nu e violentado.
Seguraste-me as mãos,
apalpaste os meus olhos, cego.
Quiseste saber, febril, porque ficas para trás
sempre que o teu corpo se ausenta de mim.

E eu... já não te sei devolver.


(o grito do silêncio)