Vi os olhos da lua numa noite sem lua;
e os dedos do sol num dia sem sol.
Vi o seu desenho inscrito nas nuvens do crepúsculo:
o rosto cego da lua, os braços apagados do sol.
Levei os dedos do sol aos olhos da lua,
e abri-os: num movimento de pálpebras,
o dia fez-se noite.
E adivinhei a cor dos teus olhos de lua
com os meus dedos de sol.
Esperei por ti na confluência das nuvens do poente.
Vi-as descerem até ao mar com seus ventres
carregados de água: e vi o dorso do mar subir até elas
numa rebentação de maré cheia.
Ouvi o mar e o céu juntarem-se num gemido de amor;
e tapei os ouvidos ao grito do orgasmo celeste,
com o sangue da tarde.
Enganei-me nos caminhos que me levavam ao céu;
troquei as voltas que me traziam ao mar.
Sentei-me contigo na terra da noite,
sem lua nem sol; e o teu rosto de pálpebras
fechadas trouxe-me o sol, para que te abrisse
os olhos com os meus dedos de fogo.
Entrei no seu doce subterrâneo, longe da lua e do sol.
A tarde demorou-me nos teus braços,
até essa noite que encheu de sol os meus dedos,
e de luar os teus olhos.
- Nuno Júdice -