29/10/07

Penso que já aqui disse que gosto de ler Pedro Rolo Duarte. Há já uns anos que persigo o que escreve. No sábado comprei o seu último livro "Fumo - E mais 80 lições que eu vivi". O autor faz uma "mistura" entre a sua luta contra o vício do cigarro - que venceu - e algumas lições de vida! Essa "mistura" combina perfeitamente, pois não temos só e apenas a dura luta de quem fumou durante trinta anos e por motivos muito dolorosos - daqueles que doem na alma - decidiu abandonar definitivamente o vício.
Hoje vou aqui deixar uma das suas lições, a «Nº 25: A Realidade Também Cansa». Talvez porque teve um "gosto" especial para mim...

"Está um dia de sol deslumbrante no Alentejo, não parece Inverno, e apetece continuar por estes campos. Mas é domingo e tenho de regressar a Lisboa. A meu lado, L. reproduz uma frase que viu escrita numa parede de uma casa no Brasil: "Estou farto da realidade - por favor, façam-me promessas."
Era o que eu queria ouvir neste preciso instante - não mais realidade, por favor. Um bocadinho de sonho: promete-me este mundo e o outro. Diz-me que não é domingo. Diz-me que o sol e o calor vão continuar pelo Inverno dentro. Diz-me que a água do Oceano Atlântico a 20 graus não é apenas uma excepção extraordinária deste final de 2006...
A frase faz-me luz. Começo por me lembrar do lamento generalizado dos cidadãos sobre os políticos - eles só prometem, mas nunca cumprem - e depois vou alargando o leque para as promessas dos medicamentos que curam, das rezas que resolvem, dos chás que prometem alívio, ou as promessas dos jardins que nunca chegam a nascer em volta dos prédios em construção. A publicidade promete. Os bancos prometem. Os produtos de beleza prometem. Os pais prometem aos filhos.Os amantes prometem-se.
Prometer deve ser uma das actividades favoritas do ser humano - prometer ao outro, aos outros, a si mesmo. É bom porque nunca se promete algo de mau.
Cumprir é que é pior - porque nos confronta com um ligeiro entrave ou, pelo menos, um aviso prévio: a realidade. Nem sempre a realidade nos deixa cumprir - pagar, fazer, acabar, ir lá, estar, continuar, entregar. E é no cumprimento da promessa que a realidade decide interferir - acordando-nos do conho e lembrando-nos da nossa condição estupidamente humana.
Ou não? Ou será que essa condição quie nos impede trantas vezes de prometer com receio de não cumprir é, afinal, e ao contrário, a ideal? Se estamos todos fartos da realidade, deixem-nos ao menos prometer. Prometer a fantasia. O sonho. Ou pura e simplesmente prometer o céu a quem o merece. Alguém de quem gosto muito, mesmo muito, impressionou-me, um dia, quando, referindo-se à sua própria vida, disse: "O meu maior drama foi ter por diversas vezes tocado com os dedos na Lua - mas na verdade nunca consegui agarrá-la." Eu quero prometer-lhe a Lua. Acredito que a Lua se agarra quando nos confessamos fartos da realidade e queremos promessas - ou quando, pelo contrário, agarramos a realidade e a obrigamos a levar-nos tão longe que talvez lá cheguemos.
Entre uma condição e outra encontramos o caminho que nos leva ao privilégio de um momento de felicidade - aquele que tudo explica e tudo perdoa. Aquele que nos garante, na entrada de um novo ano, que para lá da realidade e das promessas há um pequeno "detalhe" que muda tudo: nós próprios. Eu. A leitora. O olhar do meu filho. O beijo de amor "que não roubei" (canta Simone no I-Pod). Esse mundo e o outro, Como costumamos dizer daqueles que prometem, sabendo que não vão cumprir. Ou seja, a nossa capacidade de sonhar.
O dia de sol de Inverno no Alentejo morre devagar. Prometo voltar, não sei se volto. Quero voltar. Confesso: também estou farto de realidade - quero promessas. Quero prometer-me."

- Pedro Rolo Duarte in "FUMO e mais 80 lições que eu vivi" -