19/01/06

Noites de verão
Já sinto falta do verão. Claro que o inverno também tem a sua beleza, mas só quem vive na zona da Serra da Estrela é que tem realmente a noção do Inverno em pleno. Neve. Frio. O que é o inverno em Lisboa? Algum frio e chuva?
A minha estação preferida é, sem dúvida, o verão. O calor. Os dias longos. As roupas frescas. Os sapatos abertos. A praia.
Recordo algumas tardes do último verão. Parecem-me já tão longe.
Lembro o entardecer, quando o céu se tingia de cores que iam do amarelo ocre, passavam pelo rosa e atingiam o laranja fogo. E anoitecia, lentamente!
Recordo uma casa, onde passei algumas dessas tardes ao sol, lá ao fundo adivinhava-se Lisboa.
As horas passavam, perdiam-se no prazer do esquecimento, do que ia para lá daquela casa. Os minutos eram como uma nevoa vaga, eram ruínas antigas de uma história já arquivada.
E havia o calor na pele, apetecia um mergulho nas águas transparentes que convidavam a refrescar-me, havia uma taça de champagne gelada, havia uma música sempre bem escolhida, uma conversa qualquer, um sorriso que, por vezes se tornava numa gargalhada, e havia os momentos de silêncio.
E quando falavas, podias dizer qualquer coisa banal. Até podia ser sem importância. Uma lembrança antiga, ou episodio de serviço, ou outra coisa qualquer. Não importava o tema. A importância estava naquela voz. Naquele timbre que me deixava arrepiada. Que me deixava sem palavras para trocar. Só queria ouvir a voz que era música em equilíbrio perfeito. Independentemente do que dissesses, a tua voz é que contava. A tua voz não a posso tocar. Mas essa voz tem um corpo, e esse sim, eu podia tocar. Um corpo que eu procurava com o olhar do desejo, que de mim tomava já conta.
As palavras perdiam-se. Eram sem nexo. Falavam então as mãos que percorriam os corpos.
Lá fora, o sol, as cores fortes do entardecer davam lugar à noite.
Saia em suspenso do teu corpo. Só com um sorriso, para não quebrar o ainda silêncio.
Vou precisar ainda de algum tempo, para procurar um lugar onde arquivar esse verão. Uma caixa? Uma gaveta? Ou ficam no coração?
Entretanto, vou deixando aqui mesmo, esse verão quente.
Passado numa casa, com uma vista que deixava adivinhar Lisboa, para além do Tejo a espreitar o Sado.
Aqui e agora, estou só eu e uma lua prateada.
Aquela a que as cores fortes do verão davam lugar, quando o entardecer se tornava noite quente.
Noites de um prazer quase felino.