04/01/06

O ano está agora a começar e ontem durante o nosso almoço, falamos no pessimismo natural dos portugueses. Na verdade, acho que ao terminar mais um ano, os portugueses não têm muitos motivos para estar optimistas. Mas daí a sermos sempre pessimistas, é que não!
Sou optimista por natureza. Faço questão de ser.
Normalmente ando bem disposta, a rir e sempre a brincar. Ainda ontem quando aqui cheguei e entrei no nosso gabinete, dei um "bom dia e bom ano" aos colegas, disseram de imediato: "chegou o furacão"!
E nem de propósito hoje li este artigo que aqui partilho com vocês.

A noite e o dia
Há a noite e o dia.
E também há inúmeras horas de lusco-fusco, horas sem sol nem luz que de facto ilumine, em que as sombras e os objectos deformados, por isso mesmo, nos dizem, a nós que vivemos aqui neste Inverno, que a diferença entre a noite e o dia às vezes é pequena demais.
A noite e o dia costumam ser uma das metáforas fáceis para exprimir a dualidade constitutiva da realidade. Serve, por um lado, para ilustrar a polaridade de muitos fenómenos com que nos confrontamos e, por outro, para destacar, se a isso estivermos dispostos, a complementaridade das coisas que, num movimento perpétuo e incontrolável, apresentam configurações diferentes.
Alguns de nós, por razões que a organização perceptiva, o temperamento e a educação talvez chegassem para explicar, tendem a ver e a reter apenas um dos aspectos. Para muitos, talvez mesmo a maioria, a metáfora do dia a dia e da noite está sempre próxima da invernia, dos dias curtos, das noites longas, da luminosidade baça e só serve como imagem de acentuação de diferenças inconciliáveis e quase tristes.
O dia é a claridade ofuscante e tudo o resto que não chega lá, nem pode chegar, cabe na categoria da noite, essa sim, com os cambiantes todos que medeiam entre o breu e o chumbo.
Depois, há a visão dinâmica da mesma coisa. A compreensão, não só da sequência das horas e dos dias, mas também do ritmo das estações, das mudanças que acontecem porque sim, sem intervenção nossa, sem paragens nem descanso. Os dias limpos, as noites gloriosas, os pores-do-sol para guardar como recordação, o sol do meio-dia a quase ferir a terra e a pele e tudo o resto que é imenso, colorido, belo e tão conhecido como mágico.
Parece rematadamente injusto que as pessoas, tantas pessoas, de uma realidade complexa, mesmo que expressa numa metáfora simples, escolham a perspectiva mais imóvel, mais derrotista e que, ainda por cima, menos lhes convém.
Sabemos todos que a seguir à noite vem o dia, que o Inverno acaba e um Verão esplendoroso há-de chegar, um qualquer dia. Desse conhecimento incontornável, aproveitamos pouco quando se trata de o aplicar a nós, à nossa vida, aos nossos insucessos e infelicidades. Somos capazes de jurar, cheios de convicção, que depois do último desastre pessoal a vida será definitivamente trágica ou insignificante, que o sol não poderá jamais nascer e brilhar para nós, que estamos destinados a caminhar nas trevas porque elas existem, nós também e há um plano universal montado para que assim seja.
Para lá do absurdo da coisa, para lá da dor virulenta e depressiva em que, de facto, tantas vezes se mergulha, tem de estar a certeza que, mesmo sem nenhum mérito da nossa parte, o sol nasce todas as manhãs. Apenas porque assim é.

- Isabel Leal in Caras Psicologia -