14/05/07

Sós, sozinhos e solitários

A maioria de nós terá tido no Natal um banho de família e, no Ano Novo, eventualmente, um convívio mais alargado com os amigos.
Talvez por antíteses ocorreu-me falar de três categorias especiais de pessoas - os sós, os sozinhos e os solitários.
Embora estes termos sejam usados indiferentemente, o certo é que representam, só meu ponto de vista, indivíduos em situações diferentes.
De facto, os sós estão-no, habitualmente, por circunstâncias da vida. Porque, tendo estado já acompanhados, ficaram sem companhia.
Os sozinhos, expressão que sempre me soou a diminutivo da anterior, surgem-me como representando uma gama de seres que não conseguiram alterar as condições que determinaram a sua solidão.
Finalmente, os solitários escolhem deliberadamente uma forma de vida, em que nem a própria companhia, quando a têm, altera, alguma vez, o seu isolamento.
Tudo o que acabo de dizer tem a ver com a solidão nas diversas formas de que ela pode revestir-se.
Se nada tenho contra a solidão escolhida, já considero extremamente dolorosa a solidão acontecida.
E a solidão, infelizmente, surge frequentemente entre as mulheres.
Porquê? Talvez por uma série de motivos, dos quais o principal me parece girar à volta da tendência feminina para centrar a sua vida em outras pessoas - pais, filhos, maridos e até amigos.
Com efeito, só muito raramente a mulher se concentra e define num projecto pessoal em que a principal personagem seja ela própria. Assim, ao abandonar pai e mãe, transfere o seu grau de dependência para o marido. Depois, e quando o marido, quer pela usura da vida em comum, quer pelas limitações impostas por uma luta profissional muito dura, se tenta libertar do peso que representa aquela tendência, a mulher, se tem filhos, vai transferir para estes a sua nova dependência.
Ou seja, apenas em situações muito escassas a mulher aceita ficar só, e mais dificilmente ainda aceita viver sozinha a sua vida.
É, no entanto, frequente encontrarem-se mulheres que vivem solitariamente a sua existência. Porque, à medida que vão transferindo as suas dependências, se fragilizam de tal modo que não encontram outro meio de sobreviver.
Assim, quantas de nós não terão já vivido a pior das solidões , que é, para mim, a solidão acompanhada? Quantas mulheres, incapazes de agarrarem a vida nas suas próprias mãos, não escolhem, forçada ou voluntariamente, uma forma solitária de viver?
Viver acompanhado é, contudo, a meu ver, pelo menos tão difícil como viver só. O que justifica pensar quais as cedências, quais as dependências, quais as alterações que seremos capazes de fazer na nossa vida para que, vivendo sós ou acompanhadas, não vivamos solitariamente.
De facto, viver solitariamente significa prescindir de uma parte do convívio com os outros, que esvazia a nossa vida e, sobretudo, a empobrece.
Todos nós sabemos que, em certas ocasiões, a vida é tão dura na convivência, que a fuga para dentro de nós próprios nos aparece como o único caminho possível. Mas com o correr do tempo, as limitações que uma via implica levam-me a dizer que é importante fazer um esforço por estabelecer o diálogo, por construir as pontes que nos ligam aos outros e, sobretudo, por não fechar as portas que os outros tentam abrir dentro de nós.
Ou seja, vale a pena lutar para que acompanhados não estejamos sós; que sós não estejamos sozinhos; e que sozinhos não fiquemos solitários...

- Helena Sacadura Cabral in "Bocados de Nós" -