Não, ontem não foi noite de trabalho. Uma vez por outra também necessitamos de um pouquinho de tempo para nós, até para estarmos sózinhos.

Mas não foi o caso. Cheguei a casa relativamente cedo, antes da meia noite, mas jantei com um amigo, que não vive cá, mas que com alguma frequência, porque o trabalho a isso obriga, vem a Lisboa e aqui passa uns dias. Sempre que possível faz questão de jantar comigo e passamos umas horas de boa conversa.

A certa altura diz-me ele, que lhe parecia que eu não estava nos meus melhores dias.

- É impressão minha, ou há uma certa tristeza nesse olhar? Desde que aqui estamos ainda não ouvi uma boa gargalhada das tuas. Quando é que te resolves a encarar a realidade e dar uma «volta» na tua vida? Começa por olhar à tua volta e repara em quem te rodeia, talvez descubras alguém interessante e que gosta de ti. Queres tentar?

Penso que a vida não é tão difícil como por vezes a "pintamos". Nós é que complicamos. O ser humano é que a transforma. Não pensamos que bem basta o que por si só já é complicado e que por vezes não temos como evitar.

Disse-lhe que, cada vez mais, noto que as relações entre pessoas é complicada. Cada vez se confía menos, cada vez é mais difícil ter amigos de verdade. Apenas passamos na vida dos outros. É preciso ter alguma imaginação, para se levar uma vida serena, e muita capacidade para compreender quem nos rodeia, quem connosco convive diariamente. Só assim, se consegue descobrir algo de bom, só assim ainda teremos motivos para sorrir, e simplesmentente não nos isolarmos do mundo. Estou a falar de uma forma geral, nas pessoas com quem convivemos no trabalho e não só.

As pessoas cada vez mais tornam-se egoístas e egocentricas, querendo tudo receber sem nada dar em troca. Cada um pensa em si, e o resto do mundo à sua volta não existe, não conta. Só é possível manter uma relação se estivermos dispostos a dar, sem esperar nada receber em troca.

Quem conseguir viver assim, então subreviverá, sem dúvida. Eu, tenho conseguido! Nunca espero retorno do que dou, sem restrições. O que se oferece, com verdade, com sentimento verdadeiro, se esperarmos receber de volta, mais cedo ou mais tarde apercebemo-nos que se perdeu em quem o recebeu.

Mas amizade, gostar ou amar não é isso. Quando existe entre pessoas, tem que ter um retorno. Não é só receber. Amar é um conjunto de pequenos nadas, um conjunto de reflexos num espelho, que só existe se acreditarmos na imagem que colocamos nos sonhos.

É esta a minha forma de estar na vida. Sem nada esperar de volta e continuar a dar. Porque nada nos pertence. Nada possuímos! Tudo pertence à vida.

Só os nossos sentimentos são verdadeiramente nossos. E se os temos - e porque são nossos - são portanto, a única coisa que poderemos dar aos outros. Eu tenho, e dou sem nada esperar de volta. Sem nunca esperar retorno!

Esta foi a forma que encontrei de estar na vida, de talvez conseguir sobreviver ao egoísmo, ao egocentrismo, à indiferença, ao desamor.
Certamente que haverá outras.

- Miúda, depois de te ouvir, acho que descobri um dos motivos porque gosto de ti. Continuo a achar que deverias dar-te uma oportunidade!

Meti-me no carro, com a Diana Krall a fazer-me companhia, e fui até casa.

Antes de me deitar, não dispensei uma torrada com queijo e o copo de leite.