Desde o início que o Governo geriu a aprovação da nova Lei das Finanças Regionais para atingir Alberto João Jardim. Era mais importante atacar Jardim do que defender a racionalidade da lei. Era mais importante confrontar o estilo de Jardim com a suavidade nos Açores de Carlos César do que justificar a mudança. Mesmo que Jardim aceitasse com resignação a nova lei, o Governo iria provocá-lo até onde pudesse. Um conflito com Jardim era ideal para o Executivo de Sócrates. Para começar, permitia ver Jardim na posição de um despesista agarrado ao Orçamento do Estado, numa altura em que o Governo faz cortes e jura que contém o défice. Não interessava que, pelo meio, o Governo reduzisse um presidente de uma região autónoma ao estatuto de um quezilento chefe de divisão pública a quem fecharam a torneira. Também ninguém se iria lembrar que, por mais reservas que o regime estadista e populista de Jardim suscite, esse regime serviu para desenvolver a Madeira, criando uma classe média como não há em muitas partes do país. Mas até isto o Governo quis: o modo como Jardim usou o dinheiro a mais que recebeu do "continente" tornou-se uma questão secundária. O alvo era de facto ele.
Talvez se encontre outra razão. Com o PSD em crise de identidade e mesmo que os portugueses de fora da Madeira encarem Jardim como um político acrimonioso, ele representa um dos últimos vestígios da supremacia do PSD na política portuguesa. Ganhou sempre na Madeira porque marginalizou a oposição, mas também porque nunca apareceu um anti-Jardim à altura. E não apareceu porque, para os madeirenses, o PSD é mais confiável para governar do que o PS e defende-os melhor do que o PS. Jardim nunca ignorou esse sentimento sectário. Por isso, a sua estratégia de conflitualidade contra o continente tem sido sempre contra um aparelho que apelida de "socialista", uma Constituição "socialista". A guerra que Sócrates lhe declarou é também por isso.
Jardim fez bem em demitir-se. Naturalmente, não foi eleito a contar com esta alteração de pressupostos políticos e não quer ser responsabilizado no futuro por aquilo que não pôde fazer. Quer um julgamento agora e quer um julgamento também sobre José Sócrates. Até onde quer ir, se ganhar a Sócrates, é que ainda não se sabe.
- Pedro Lomba in Opinião DN -