10/04/07

A partir de hoje, vou aqui dar lugar às palavras dos outros. Palavras que fazem sentido e textos que de alguma forma me "tocaram", não só pela forma de escrita, pela mensagem, pelas verdades, pelo sentimento, enfim, porque gostei acima de tudo do que li. Farão certamente parte de "Os meus recortes". As minhas palavras ficarão para trás, por motivos que nem sequer são importantes referir aqui. Ou talvez, porque já não há nada para dizer! Se houver, não deixarei de as colocar aqui. Sempre que sinta necessidade de o fazer.
Começo com um texto do livro «Bocados de Nós», de que aqui falei ontem. Palavras que tiveram o efeito de um "puxão de orelha" e me deu que pensar, porque afinal é mesmo assim...

"Amar quem não nos ama"
Um artigo excelente de Miguel Esteves Cardoso, no Expresso, está na origem desta crónica.
O texto, que analisava, com enorme sentido de humor e de verdade, o problema do nosso relacionamento com os antigos países de língua oficial portuguesa (PALOP) tinha, na sua base, uma questão que me parece fundamental - a ilusão que representa amar quem não nos ama.
Passando da análise político-económica das relações sentimentais de Portugal com as antigas províncias ultramarinas para as realidades quotidianas, considero que este assunto atinge uma significativa parcela dos cidadãos de ambos os sexos, que povoam o universo em que vivemos... E foi até, como se sabe, tema de alguns grandes romances da literatura contemporânea.
O lado afectivo do Homem supõe, a meu ver, retribuição ou pelo menos contrapartida. E se é uma realidade que nem todos amam da mesma forma, todos gostam, de um modo geral de ser amados.
O problema, porém, reside aqui. Gostamos de ser amados tout court, ou precisamos de ser amados de uma determinada maneira, que é a nossa? Bastará, apenas, sentir que nos amam?
Talvez por educação, talvez por escassa vocação para o inútil sofrimento, sempre me pareceu insuficiente o amor não correspondido.
Amar, no seu sentido mais estrito, é, do meu ponto de vista, um exercício simultâneo, que carece de ser alimentado por manifestações várias, que vão da ternura à cumplicidade, passando por toda uma gama de estádios, que variam de pessoa para pessoa.
Mas amar quem não nos ama aparece-me como um desgaste sem qualquer sentido, que empobrece a existência e limita extraordinariamente a nossa vida.
No caso específico da mulher, habituada como está ao sacrifício, o problema toma aspectos ainda mais graves. Em grande parte dos casos a educação sentimental da rapariga faz-se através das suas mães, que têm alguma dificuldade em tocar, abertamente, em problemas deste tipo.
De facto, a mãe sente, ao falar de questões afectivas com a sua filha, que corre o risco de ter de abordar a sua própria vida sentimental, o que pode afectar a imagem que dela pretende transmitir ou, o que é pior, considera tal matéria como área tabu, na qual não permite qualquer intromissão.
O caso oposto, menos frequente, é o de tratar a filha como igual, e fazê-la partilhar de uma intimidade de vida que, em princípio, não deveria sair do foro pessoal.
Por seu lado, não se sentindo, também, o pai como a pessoa mais indicada para este género de diálogo, a mulher vê-se limitada à sua intuição, ou ao conselho dos amigos, nem sempre os mais avisados.
Assim, a tendência será a da concentração, cada vez maior, num sentimento masoquista que em nada contribui para o equilíbrio de cada um dos intervenientes na história, visto que o próprio objecto dum sentimento deste tipo não pode, senão, considerá-lo como extremamente embaraçoso.
À semelhança do que Miguel Esteves Cardoso diz acerca dos países africanos que não gostam de nós, também aqui eu serei tentada a sugerir que os enormes esforços desenvolvidos para alimentar um amor de sentido único sejam canalizados, de forma mais sadia, para alguém que nos saiba retribuir!
E se o amor é já uma estrada tão difícil, mesmo quando tem dois sentidos, porquê complicar ainda mais a existência, pretendendo conduzi-lo por caminhos que apenas têm um sentido?

- Helena Sacadura Cabral in «Bocados de Nós» -