O silêncio no mar, na neve, nas noites com muitas estrelas, quando se consegue estar só e pensar e sentir o Universo, e perder a noção do tempo, do espaço e da individualidade.
O silêncio na Gulbenkian, na semana passada.
Mesmo antes de o maestro ordenar à orquestra o arranque do primeiro andamento da Nona Sinfonia.
O silêncio na parte final de uma negociação, quando se jogou a última cartada e se espera pela resposta da outra parte.
O silêncio nos casinos, pontuado pelo saltitar da bola na roleta, as caras, as mãos, a ansiedade dos jogadores.
O silêncio depois do amor, quando a respiração e a transpiração se acalmam e não é preciso nem possível dizer nem fazer mais nada, porque se quer prolongar o prazer e eternizar o presente.
O silêncio, há dias, em casa do André Gonçalves Pereira, quando os guitarristas pararam, a noite também e a Kátia Guerreiro atacou a parte final do seu fado.
O silêncio duro e impuro, quando as convenções, as inibições, os temores reverenciais e outras desgraças nos cortam a espontaneidade e nos obrigam a engolir a amargura.
O silêncio da saudade, das ausências irreparáveis, do passado que não voltará.
O silêncio da cumplicidade, quando, de um lado para o outro da sala povoada de pessoas sem cara, um olhar, um gesto, um sorriso dizem tudo.
O silêncio, no meu terraço da Marinha, quando escrevo noite fora, rompido, marcado, violado pelo canto inesperado de uma ave nocturna, aqui, numa árvore, mesmo ao pé de mim.
- Francisco Pinto Balsemão in "Um Minuto de Silêncio" -