11/04/07

Os meus recortes.....

VOCÊ VENCEU!

Momentos antes de você ser gerado, nove meses antes de nascer, portanto, você tinha a companhia de três biliões de espermatozóides ao seu lado. Não existe nenhuma regressão que faça com que você se lembre deste primeiríssimo momento da sua existência.
Imagine a cena. Três biliões de criaturinhas correndo desesperadamente atrás de um único óvulo. E, se você tem uma certeza na vida, é esta: só você chegou lá. Ou seja, você é um(a) vencedor(a). Não sei como foi que eu e você conseguimos esta proeza. Talvez tenhamos atropelado alguns concorrentes, dado cotoveladas em outros. O facto é que estamos aqui. Eu escrevendo e você lendo.
Numa corridinha mixa de 100 metros numa olimpíada o sujeito ganha louros, medalhas e dinheiro. E concorre com quantos? Dez, doze pessoas. Mas eu e você corremos contra 2.999.999 (o número pode não ser muito exacto, mas é por aí). E chegamos. E o mais trágico: todos eles morreram. Todos. Enfim, nascemos matando metade da população actual do planeta.
Chego a algumas conclusões. A primeira, inapelável, é que nascemos com culpa, meio sem graça, chorando. E já levamos um tapa na bunda para deixarmos de ser metidos e assassinos. Sim, todo o mundo ao seu redor, olhando-te no berçário, e pensando: e os outros? E os outros?
Por outro lado, deveríamos todos os dias abrir a janela, olhar e sorrir, pensando: eu consegui! Eu sou demais! E deveríamos estar felizes com a nossa condição de vencedores. A primeira batalha, a primeira maratona, contra biliões, a gente venceu. Não bastaria isto para sermos eternamente felizes? Agradecer diariamente a nossa ovular vitória?
Vi no "Fantástico" de domingo que o terrorista Bin Laden já matou - com os seus atendados - cerca de cinco mil pessoas. Já Bush com as suas duas guerras, matou perto de dez mil. Quem é mais terrorista?
Talvez se o Bin Laden, quando o pai dele estava fazendo amor com a sua mãe (sim ele deve ter tido uma amada mãe), talvez se ele ficasse em segundo lugar, teríamos mais cinco mil pessoas vivas. Números pequenos, diante dos que eles deixaram para trás ao serem gerados.
Fiquem a pensar nos espermatozóides que deixei para trás num dia qualquer de maio de 1945 (será que foi o dia D?). O que seria de cada um deles, se tivessem passado na minha frente? A única certeza é que teriam nascido no mesmo dia que eu. Poderia até ser uma mulher. Existe espermatozóida?
E, ainda abalado com os atentados de Espanha, penso nos espermatozóides. Já vencemos a nossa principal batalha, já deixamos para trás três biliões de futuros cidadãos. Por que queremos matar mais e mais e mais? Será que não basta ao homem ter vencido a sua principal corrida, a guerra do nascimento? Não deveríamos todos viver apenas para comemorar que conseguimos nascer, sãos e salvos, sem usar nenhum míssil, nenhuma granada? Ganhamos uma guerra jogando limpo. Apenas, sei lá como, fomos mais espertos e rápidos que os nossos outros companheiros de jornada, coitados (literalmente).
A que óvulo estas pessoas que matam inocentes querem atingir? Uma ogiva? Por que eles não matam a própria mãe que os gerou e deixam o resto do mundo em paz?
É, há uns espermatozóides por aí que poderiam muito bem não ter chegado lá. Alguma coisa eles aprontaram lá dentro para chegarem na frente. Alguém foi subornado lá dentro. Pena que naquele tempo não havia câmaras para filmar as acções intra-uterinas e nem telefones de escuta!!

- Mário Prata in "Crónicas" -