26/04/07

"Ciúme, a quanto obrigas"

Julgo que o ciúme é um sentimento natural, e acredito pouco na sua ausência. Habitualmente, ele decorre do risco, ou pressentimento, da perda da pessoa amada.
Nem sempre, porém, é assim, e muitas vezes o que está em causa não é esse medo, mas sim o amor-próprio ferido.
Explico-me melhor. Há circunstâncias que podem levar ao ciúme sem que tenham que ver com o ser amado. Exemplo característico deste tipo de comportamento é aquele em que ciúme e inveja estão de tal modo entrelaçados que é difícil saber onde começa um e a outra acaba. Quem poderá distinguir o que vai no íntimo de cada um ao sentir-se preterido, no campo profissional, por alguém que se considera não ter as condições que nós próprios julgamos possuir? Mágoa? Ciúme? Inveja? Eventualmente uma profunda amálgama de tudo isto. Mas, com certeza, uma pitada forte de ciúme também.
Falemos, apenas, do sentimento que advém das mutações que o amor sofre com a passagem do tempo, que é o caso mais frequente.
Quando duas pessoas se amam, não se gostam nem da mesma forma, nem com a mesma intensidade. Feliz ou infelizmente, é importante que tenhamos consciência que, também no amor, a relação não é paritária. Há sempre um que ama mais do que o outro.
De facto, raramente somos amados como precisaríamos ou gostaríamos de ser mas, apenas, como o outro é capaz de nos amar.
São estas duas situações que, aliadas ao medo de perder o ente querido, estão, frequentemente, na base do ciúme.
Com efeito, em muitos casos, o facto de não ser estimado como se necessitaria é entendido como desinteresse, ou, o que é pior, como falta de amor. Primeiro erro, que conduz, muitas vezes, ao ciúme, sem que se tente perceber que cada um tem uma maneira muito própria de amar, que pode não coincidir com a nossa necessidade.
Também a circunstância de um gostar mais que o outro traz consequências, ao nível do ciúme, visto que o que sente ser mais frágil na relação amorosa tende a ambicionar tornar-se mais forte. Segundo erro, que às vezes é fatal, porque a atitude inteligente neste tipo de situação seria vivê-la sendo capaz de compreender as fraquezas do outro, e fazer delas a própria fortaleza.
Pelo menos, enquanto se julgar que o outro vale a penas...
Finalmente, o ciúme provocado pelo medo de perder a pessoa a quem se está ligado. Aqui torna-se vital fazer uma distinção: o que está em causa é o medo de perder o amor de alguém ou é, antes, o amor-próprio ferido, porque outrem pode vir a ocupar o lugar que é o nosso?
Se é o primeiro caso, saibamos lutar não por «aquilo que nos pertence», como muitas vezes se diz, mas por algo que consideramos essencial para a nossa existência. E aqui «lutar» significa «não fazer a guerra». Lutar, neste caso, é tentar perceber onde esteve a nossa insuficiência, a nossa incapacidade, e saber superá-la. Porque, se lutar não significar reconquistar, mas antes guerrear, então, a batalha estará perdida, e seremos nós a entregar ao adversário/a,
numa bandeja dourada, o nosso amor, o que ele/a, habitualmente, não deixará de aproveitar...
Resta o amor-próprio ferido. Este é, a meu ver, insignificante, face à enorme vantagem de se perder alguém que, realmente, já não nos quer!

- Helena Sacadura Cabral in «Bocados de Nós» -