O Som do Silêncio
É o som da distância. O som que se ouve no cimo de uma montanha, o som dos quilómetros entre dois cumes num dia limpo e calmo.
É o som que cheira a terra. O som que se ouve nos dias cinzentos depois de passada a chuva, quando os cães ainda estão molhados demais para ladrar.
É o som da sesta. É o som que se ouve às quatro da tarde alentejanas quando as paredes grossas isolam do mundo as crianças que dormindo mantêm uma silenciosa e abençoada mudez.
É o som do preto. O som que se ouve no mar alto quando a água é azeite e a ausência da lua torna indistinguível o preto do mar do preto do céu.
É o som da solidão. O som que se ouve enquanto pensamos nas imagens de todas as vidas de todas as pessoas de que não fazemos parte.
É o som da pausa. Da pausa de semi-breve, da suspensão no meio do fraseado de uma sonata, do tempo entre dois andamentos de um concerto quando, desconfortáveis na poltrona, não nos mexemos para não quebrarmos a magia.
É o som do branco. O som que se ouve dentro do nevoeiro que cobre uma montanha de neve, onde o branco a toda a volta nos apaga todas as referências, coisa de manicómio e de malucos incapazes de distinguir o cima do baixo, a direita da esquerda.
É o som da exiguidade. O som do armário escuro onde escondidas as crianças brincam às mesmas.
É o som do embaraço. O som que se ouve num elevador de um prédio de escritórios subindo cheio, e de estranhos, às nove da manhã.
É o som do suspense. O som que antecede a facada, o trabalhar da motosserra, o grito ao dobrar da esquina, o piano a despedaçar-se no passeio, o erguer do zombie. O som entre o engatilhar da arma encostada à cabeça e o PUM.
É o som da culpa. O som que se ouve quando não há volta a dar nem desculpa a pedir, é o som que acompanha o cair das orelhas e o rabo entre as pernas.
O único silêncio que conheço é o que se ouve. É o som que se ouve entre um som e outro.
- Pedro Bidarra in "Um Minuto de Silêncio" -