O que custa é ser feliz....
A vida exige diariamente de todo nós uma série de adaptações. Por vezes, poderíamos até dizer que mais se trata de violentações, tal a intensidade de que algumas delas se revestem.
O mundo parece, contudo, dividido entre duas espécies de pessoas - as que têm de se adaptar e as que impõem adaptações. Por circunstâncias históricas, a maioria das mulheres coloca-se, ou é colocada, na primeira daquelas categorias.
Não me tenho por particularmente feminista, mas, para ficar a meio caminho entre aquelas duas ordens escatológicas, tive de, ao longo da minha existência, travar muitas lutas. Terá sido a circunstância de ter perdido algumas batalhas que, aliada ao facto de ser mulher, me não terá permitido ganhar todas as guerras!
Eis-me, assim, colocada numa posição intermédia, mercê de muito esforço e de alguma incompreensão. E dirão alguns que mesmo assim tenho muita sorte...
Com efeito, grande número de mulheres não terão conseguido, ao longo do seu percurso, o meu «poder negocial», uma vez que não tendo tido, como eu, acesso a um curso superior, e ao exercício de uma profissão razoavelmente remunerada, se viram obrigadas às adaptações que toda a dependência económica acaba por impor.
Mas algumas haverá, também, que tendo podido fazê-lo preferiram a dependência admitindo que, com o correr dos tempos, seriam elas as menos afectadas.
Outras ainda, não tendo conseguido suportar as condicionantes da dependência, decidiram, a meio caminho, mudar de rumo e ser independentes.
Finalmente, um escasso número de mulheres obtiveram ou herdaram situações que as colocaram numa esfera em que as normas de conduta são as que elas próprias se encarregam de ditar.
Dir-se-à que o que acabo de descrever não é, apenas, apanágio das mulheres. A isto poderá responder-se que quando tais situações se verificam entre homens derivam mais das hierarquias que entre eles se estabelecem, ou das origens sociais a que pertencem, do que à circunstância de serem homens. Não é, infelizmente, o nosso caso. Que às mesmas situações teremos de juntar o pertencer ao sexo feminino.
Assim, conviria estarmos atentas às adaptações que teremos de ir fazendo, porque algumas delas se me afiguram absolutamente dispensáveis. O que permitirá, nas outras, que nos adaptemos o melhor possível.
De facto, o que importa é definir que tipo de adaptações estamos dispostas a fazer. Se elas nos ajudam a ser mais felizes, então, adaptemo-nos. Se, pelo contrário, elas nos tornam infelizes, sejamos cautelosas.
É sobre estas últimas que gostaria de dizer alguma coisa mais.
Ninguém consegue, a menos que seja santo, e esse não é o caso vulgar, levar uma vida inteira a fazer concessões que causem infelicidade. Por mais «amorosamente» que elas se processem...
Sejamos, então, capazes de um exercício contabilístico a nível psicológico, de modo a escolher, dentre as adaptações difíceis, apenas as inevitáveis. Isto pressupõe, é claro, que cada uma de nós se não sinta, pelo facto de ser mulher, especialmente vocacionada para o sacrifício, ou para o sofrimento. Na verdade, nada nela a destina, em especial, para tais situações. Será um mito com muitos defensores, mas que urge, à luz da nossa realidade.
Direi, assim, que devemos limitar as adaptações difíceis apenas às que consideramos inevitáveis, e dentro destas cingirmo-nos às que tenham algumas utilidade.
E depois, empreguemos as energias que nos restam a tentar fazer as adaptações que nos tornem mais autênticas, que satisfaçam melhor as nossas próprias necessidades, que, enfim, nos dêem maior felicidade.
Em breves palavras, saibamos, também, ser um pouco egoístas, não esquecendo que ser infeliz custa pouco, porque, mais ou menos, todos somos. O que custa, verdadeiramente, é ser feliz...
- Helena Sacadura Cabral in "Bocados de Nós" -